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Metas de Eduardo Leite para o clima são distantes e irreais, avaliam especialistas

Objetivo prioritário fala em zerar emissões de gases-estufa até 2050 – mandato de Leite termina em 2026

Betiina Gehm, Austral
#Eduardo Leite19 de abr. de 238 min de leitura
Foto: Maurício Tonetto / Palácio Piratini
Betiina Gehm, Austral19 de abr. de 238 min de leitura

A agenda verde se tornou uma bandeira do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente nomeou Marina Silva, que voltou a ser ministra, do agora rebatizado Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). A proposta de Marina é tornar o combate ao colapso climático uma preocupação de todos os ministérios. 

Uma das medidas iniciais anunciadas pela ministra é a criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática, autarquia vinculada ao MMA. De acordo com Marina, o órgão deve ser instituído ainda em março com a missão de subsidiar e monitorar políticas públicas para a mitigação e adaptação à mudança do clima.

Para entender se o Rio Grande do Sul está alinhado às políticas ambientais do governo federal, o Austral ouviu Marjorie Kauffmann, responsável pela Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), e a questionou sobre os planos do governo gaúcho de nomear uma pessoa ou grupo encarregado das mudanças climáticas. 

Alegando agenda atribulada, Kauffmann respondeu às perguntas do Austral por escrito, por meio da sua assessoria de imprensa. Na entrevista, a secretária disse que o governo criou a Assessoria do Clima (ainda na gestão anterior), cuja missão é “propor políticas públicas e estreitar laços entre os entes federativos e instituições do país e do exterior”. Mas a grande aposta do Piratini é o Pró Clima 2050, um conjunto de projetos que visa neutralizar as emissões de gases do efeito estufa (GEE) em pouco menos de três décadas.

Segundo Kauffmann, o maior desafio do estado hoje é mensurar as emissões líquidas dos gases-estufa, principalmente as oriundas da agricultura. Mas garante que o estado tem agido para suprir essa necessidade, com a construção de torres de monitoramento de emissões – não informou, no entanto, qual o montante que deve ser investido e nem em quanto tempo. 

“Também está sendo elaborado um acordo de cooperação técnica com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para avaliar o quão sustentáveis são as práticas que já executamos desde 2013, quando foi instituída a política gaúcha de agricultura de baixo carbono”, afirma. A secretária fala do Plano ABC, adotado há dez anos em consonância com uma política federal criada em 2010 para que o setor agropecuário adote tecnologias que reduzam as emissões de gases.

A Assessoria do Clima é liderada pela bióloga Isa Osterkamp, que coordenou o Centro de Educação Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente de Lajeado, região centro-leste do estado. A pasta que lidera atualmente, dentro da Sema, ativou o Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas, um espaço para discussão sobre as políticas ambientais do estado. 

O Pró Clima 2050 prevê um investimento de R$ 115 milhões em um dos projetos, o que, segundo a secretaria, dará condições ao estado de honrar os compromissos climáticos firmados – entre eles, o de neutralizar as emissões de carbono até 2050. Mas Kauffmann não detalhou o prazo para a distribuição desse valor, que será dividido da seguinte forma: R$ 28,8 milhões para estações de monitoramento e qualidade do ar; R$ 20 milhões para balanço dos gases de efeito estufa; R$ 1,5 milhão para um inventário de emissões e plano de transição energética; e R$ 15 milhões em pagamentos por serviços ambientais. “Os investimentos vêm sendo aplicados conforme o andamento dos projetos, podendo ocorrer a aplicação do aporte de acordo com a disponibilidade das fontes”, disse a secretária.

Além dos compromissos climáticos, o site do Pró Clima cita mais 11 projetos – sem estabelecer um prazo para que sejam cumpridos. A revitalização de bacias hidrográficas, por exemplo, depende de R$ 4,5 milhões oriundos da União. “Já está em andamento o programa de revitalização das bacias do Gravataí e do Sinos, executado com recursos do Ministério do Desenvolvimento Regional”, informou Kauffmann.

Outro eixo do Pró Clima é a recuperação da vegetação nativa do estado. Hoje, o Pampa é o bioma que mais perde vegetação nativa proporcionalmente à sua área, convertida em lavouras de monocultura, especialmente de soja. Pelo projeto, o governo quer criar corredores ecológicos (porções de ecossistemas naturais ligando unidades de conservação) e incentivar proprietários rurais a adotarem boas práticas ambientais.

Longo prazo para agir atrai críticas

Especialistas ouvidos pelo Austral consideram as metas do governo gaúcho longínquas e pouco concretas. Francisco Milanez, diretor científico da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), afirma que propor um plano abrangendo as próximas gestões é irreal. “Ele está falando de 2050, mas tem que falar de amanhã. Ele só tem quatro anos para trabalhar. Essa ideia de propor um plano para as outras administrações é muito útil, muito cômodo e muito irreal. Nunca, em 50 anos da luta ambiental, o meio ambiente gaúcho foi tão destruído quanto no primeiro ano do governo Leite”, resume Milanez, referindo-se ao afrouxamento da legislação empreendida pelo Executivo gaúcho e revelada pelo Matinal

Coordenador do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), o biólogo Paulo Brack concorda. “O governo quer esperar demais para resolver um problema emergencial”, afirma, referindo-se ao prazo de 2050 estipulado para zerar as emissões dos gases-estufa. “Até lá, provavelmente teremos situações mais graves para enfrentar”, lamenta. 

O pacto resultante da COP27, da qual as secretarias estaduais do Meio Ambiente e da Agricultura participaram, não avançou nas metas de redução da queima de combustíveis fósseis nem firmou um compromisso para eliminar o uso do carvão. A participação do Rio Grande do Sul na conferência foi marcada pela reafirmação de compromissos com o meio ambiente. O então secretário da Agricultura assinou, junto da atual secretária Kauffmann, um termo de cooperação entre o estado e o Carbon Disclosure Project, uma organização não-governamental internacional que monitora e divulga o impacto ambiental de cidades e empresas. 

Quando foi à COP, Leite atraiu críticas de que estava usando a conferência para esconder a agenda anti-ambiental que marcou seu primeiro mandato. Logo no ato inaugural da gestão, o governador reeleito juntou as secretarias do Meio Ambiente e da Infraestrutura – colocando na mesma pasta quem executa e quem fiscaliza as obras públicas. Também enviou um projeto que abrandou o Código Ambiental, até então considerado um exemplo para o país. 

Aprovada às pressas, a alteração da lei possibilita mudanças como a Licença Ambiental por Compromisso (LAC), intitulada como um autolicenciamento, feito online, sem análise técnica, e liberado para 47 atividades econômicas – algumas de alto potencial poluidor –, em fevereiro de 2022. O Ministério Público entrou com uma ação no STF alegando a inconstitucionalidade da LAC e de mais dois dispositivos do código. 

Outro enfraquecimento ocorreu na política estadual de agrotóxicos, regida por uma lei pioneira de 1982 – entre os países do sul global, essa foi a primeira legislação de controle do uso de venenos agrícolas na produção de alimentos. O texto proibia a distribuição e comercialização de venenos que não tivessem uso autorizado no país de origem. Desde a flexibilização de Leite, eles agora estão liberados para uso no estado. “Se um país desenvolvido produz um agrotóxico que não quer mais usar, pode exportar para nós, porque nós continuaremos usando”, resume Milanez.

Não há previsão de novas mudanças na política estadual de agrotóxicos, mas a liberação de defensivos agrícolas proibidos em outros países segue a linha adotada por Jair Bolsonaro, afirma a secretaria Marjorie Kauffmann. Pelo menos 37 dos agrotóxicos registrados no Brasil entre 2019 e 2022, durante o governo do ex-presidente, são proibidos nos Estados Unidos e na União Europeia por provocarem danos à saúde humana. 

Kauffmann disse que quem fiscaliza se a lei federal está sendo cumprida no Estado é a Secretaria de Agricultura. No entanto, cabe à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) fazer o cadastro e emitir o registro dos defensivos agrícolas que podem ser utilizados no estado. “Uma comissão formada por representantes da Fepam, da Secretaria da Saúde, da Secretaria da Agricultura e do Procon dá o aporte técnico e diretrizes aos cadastramentos”, explicou a secretária. Os agrotóxicos também não pagam ICMS no estado por meio de um convênio renovado por Leite.

Brack também vê um possível conflito de interesses que dificultaria o avanço das políticas favoráveis ao clima. O secretário adjunto da Sema, Marcelo Camardelli Rosa, representa a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) no Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema). A nomeação para a secretaria foi alvo de uma nota de repúdio assinada por entidades ambientalistas do estado. “A agricultura é um setor responsável pela emissão de gases, e que não tem interesse profundo em relação ao tema [das mudanças climáticas]”, afirma o biólogo. “Temos que pensar em uma mudança mais acentuada no que se refere à produção primária”.

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