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Serra domina recuperação do turismo gaúcho, mas outras regiões sofrem para atrair viajantes

Levantamento do Matinal mostra que o eixo Gramado-Canela é destino de 47,5% dos passageiros que entram no RS por Porto Alegre. Concessão de parques públicos em 2021 derrubou procura em regiões serranas.

Bettina Gehm, do Matinal Jornalismo
#Gramado 4 de mai. de 239 min de leitura
Gramado é a cidade gaúcha que mais atrai turistas | Foto: Cleiton Thiele
Bettina Gehm, do Matinal Jornalismo4 de mai. de 239 min de leitura

O Rio Grande do Sul é um dos estados que mais atrai turistas no Brasil. Um dos principais portões de entrada de visitantes internacionais no país, o estado perde apenas para São Paulo. Mas essa afirmação esconde desigualdades regionais. A Secretaria de Turismo (Setur) não disponibiliza dados como a porcentagem de turistas que vai a cada cidade.

Mas um levantamento do Matinal, feito a partir das estatísticas de atendimento nos centros de atenção ao turista situados no aeroporto e na rodoviária de Porto Alegre mostra que o eixo Gramado-Canela é destino de 47,5% dos passageiros. Um terço dessas pessoas fica na capital, convertida em um local de “ponte-aérea”; o restante, menos de 20%, viaja para outras cidades do estado. Até municípios próximos às duas estrelas turísticas acabam atraindo menos pessoas – algumas, inclusive, sofreram um prejuízo após mudanças recentes de privatização dos parques.

Em 2020, segundo dados divulgados pela Setur, o RS foi o segundo maior destino de turistas no país, representando quase um quarto dos turistas internacionais. Mais de 92% desses viajantes vieram da Argentina e do Uruguai para o estado durante os meses de janeiro e fevereiro de 2020, na fase pré-pandêmica. Na Central de Informações Turísticas de Gramado, à época, constatou-se que 19% do público era estrangeiro, e destes, 71% eram argentinos e 8,5% eram uruguaios. 

A chegada da pandemia afetou drasticamente o setor: o fluxo de passageiros com destino ao RS caiu 58% entre 2019 e 2020. Mas a cidade de Gramado, ao final do primeiro ano pandêmico, já não sentia um impacto tão negativo. Conforme a Setur, durante o Natal Luz de 2020, as praças de pedágio em rodovias que dão acesso a Gramado computaram uma queda de apenas 6% no fluxo de veículos em relação ao ano de 2019. 

A vinda de turistas voltou a aumentar e cresceu 37% em 2021, quando a pandemia ainda impôs algumas restrições nos passeios, mas elas começaram a ser reduzidas no segundo semestre. O diretor-geral da Setur, Rafael Carniel, atribui o desempenho ao fato de que o estado oferece atividades ao ar livre para os visitantes, além da “confiança do público em geral na marca dos destinos turísticos gaúchos”. 

Em 2022, o número de turistas que veio ao estado foi apenas 19% menor do que em 2019, antes da pandemia. No ano passado, o Rio Grande do Sul apresentou o segundo maior crescimento no volume das atividades turísticas entre os 12 estados analisados pelo IBGE na Pesquisa Mensal de Serviços, em comparação com o ano anterior. Com um incremento de 47,6% no setor, o RS perde apenas para Minas Gerais (58,7%). Os dados foram publicados em novembro, na última edição do relatório elaborado pelo Observatório do Turismo do estado. 

Gramado, Canela e cidades próximas são as que puxam essa recuperação no setor. “No eixo turístico que compreende a região da Uva e Vinho, Hortênsias e Campos de Cima da Serra estão os destinos que concentraram a recuperação do turismo”, afirma Carniel. O sucesso da serra gaúcha entre os turistas movimenta a economia local. Em Gramado, 30,9% dos empregos são ligados a atividades turísticas. É a cidade com maior proporção de vagas conectadas ao setor no RS, com Canela vindo em terceiro lugar, com 17,8% dos empregos relacionados ao turismo. 

Mas a concentração de turistas em Gramado e Canela pressupõe que o restante do estado tenha visitantes escassos. Enquanto Gramado recebe mais de 7 milhões de visitantes por ano, outros locais, como Cambará do Sul, veem o número de turistas despencar. 

Com ingressos mais caros, parques de Cambará do Sul recebem menos visitantes

Em 2021, no primeiro mandato de Eduardo Leite, o legislativo aprovou uma PEC que permite a concessão das Unidades Estaduais de Conservação à iniciativa privada. Foi o que aconteceu, em outubro do mesmo ano, com os parques dos Aparados da Serra e Serra Geral, em Cambará do Sul. A empresa Urbia passou a administrar os espaços e a cobrar ingresso dos visitantes. Na época, a expectativa do aumento no número de viajantes passou a movimentar a economia da cidade: cresceu o número de transferências de imóveis realizadas em Cambará.

No entanto, em abril do ano passado, empreendedores da cidade a 190 km de Porto Alegre já observavam uma queda no número de turistas. O total de visitantes nos parques da Serra Geral e Aparados da Serra no primeiro trimestre de 2022 foi 12.723 – um corte praticamente pela metade do visto no mesmo período de 2021, quando 24.139 turistas passaram por ali. A solução temporária encontrada pela Urbia foi reduzir o valor do ingresso, que vale para visita nos dois parques, durante os meses de abril e maio. O valor mínimo, da entrada para um único dia, passou de R$ 50 para R$ 35. 

Quase um ano se passou e, em março de 2023, o movimento em Cambará ainda não havia melhorado. Giovane Klippel, à frente da Associação de Empreendedores Turísticos de Cambará do Sul (Aeturcs), reiterou à GZH que o volume de turistas diminuiu pela metade em relação ao período pré-concessão. Atualmente, o ingresso para visitar os cânions Fortaleza e Itaimbezinho custa R$ 94. Idosos pagam R$ 65 e crianças de até 5 anos têm entrada gratuita.

Para Vanessa Spindler, presidente da seccional gaúcha da Associação Brasileira de Turismólogos e Profissionais do Turismo (Abbtur) e secretária de Turismo de São Francisco de Paula, as concessões são positivas porque geram emprego e renda. “O turista paga para entrar no local, mas recebe melhorias em retorno. São mudanças que, muitas vezes, o poder público não conseguiria fazer”, afirma. 

“A parceria público-privada é fundamental num país como o nosso”, concorda Antônio Carlos Castrogiovanni, professor de Geografia na UFRGS. “Mas toda privatização tem que ser muito bem pensada para não afastar os turistas, o fluxo que já existia”. 

Para o professor, a concessão dos parques precisa ser revisitada. “A iniciativa precisa de parcerias de empresas, que diminuiriam seus custos tributários, e diminuir o valor do ingresso para passeios escolares”, pontua. Castrogiovanni observa que o turismo não deve visar apenas o resultado financeiro imediato, mas também a manutenção de áreas que devem ser preservadas e os locais como instrumento pedagógico.

Porto Alegre vira local de passagem

A capital gaúcha também não atrai tantos visitantes quanto poderia. “Temos um fluxo muito grande de turistas que desembarcam no aeroporto Salgado Filho e vão para a Serra, não ficam em Porto Alegre”, afirma Castrogiovanni. “É preciso trabalhar um incentivo para esses turistas ficarem duas ou três noites na capital e descobrirem Porto Alegre a partir da campanha de um produto sólido, bem formatado, que possa ser oferecido”, detalha. O professor observa que a capital tem um grande potencial turístico, mas que ainda precisa ser melhor reconhecido pelas autoridades e pela população local.

Ativo desde 2003, um dos atrativos para quem visita Porto Alegre é a Linha Turismo. No passado, o serviço era feito por um ônibus com o segundo andar aberto, que circulava pelos principais pontos turísticos da cidade. Depois de ter as excursões suspensas durante a pandemia de covid-19, a Linha Turismo foi desativada em setembro de 2021 pela prefeitura, que abriu espaço para que a iniciativa privada passasse a oferecer os passeios. 

Como o destino dos ônibus de dois andares foi o leilão, a Orgatur, empresa que passou a operar a Linha Turismo no ano passado, utiliza ônibus comuns. O ingresso para a excursão custava R$ 30 quando era oferecido pela prefeitura. Agora, esse é o preço da meia-entrada. Quem não tem direito ao benefício paga R$ 60 pelo passeio no centro histórico. A empresa oferece também uma excursão do tipo hop-on hop-off, a R$ 80, em que o turista pode descer nos pontos turísticos e depois embarcar novamente no ônibus em qualquer parada que faça parte do trajeto.

Castrogiovanni lembra que a Empresa Porto-Alegrense de Turismo (Epatur), extinta há mais de uma década, ajudava a fomentar o setor na cidade. Um dos projetos visava atrair a população do interior do estado para a capital nos finais de semana, para ocupar a baixa hoteleira. “Era um roteiro conectado com a iniciativa privada, com a rede hoteleira, com os teatros, restaurantes, jogos de futebol. A divulgação era feita em rádios e jornais do interior. Era muito interessante mas, infelizmente, quando troca a administração da cidade, muitos projetos são abandonados”, afirma o professor.

Identidade local pode ser solução

Nos estudos sobre turismo, existe uma diferença entre fixo e fluxo. Os elementos fixos são hotéis, monumentos históricos e outros atrativos – transformados em produtos – que atraem turistas. Quem circula por esses locais constitui o fluxo de hóspedes e visitantes. O fluxo muitas vezes acaba interferindo no entorno: a demanda turística propicia a instalação de serviços e a venda de produtos.

Na visão do professor Castrogiovanni, o potencial do RS não vem sendo bem trabalhado. “Existe uma ideia de que, para dar certo, tem que ser o ‘modelo Gramado’. Em vários projetos regionais, busca-se uma certa imitação do que é ofertado na Serra. Mas existe muita identidade local, uma série de outras possibilidades que desconhecemos”, pontua. O professor cita a cidade de Pelotas, a Laguna dos Patos e as missões jesuíticas como atrações que poderiam ser mais bem exploradas. Mas não basta apenas trabalhar no marketing desses locais: é preciso valorizar quem entende do assunto. “Hoje existem turismólogos. O turismo não pode ser visto apenas como uma atividade econômica: é uma cadeia bastante complexa e fundamental. Quando alguém se desloca, se hospeda, consome, muitas pessoas são beneficiadas”.

Rafael Carniel, diretor da Setur, afirma que cada destino precisa focar no que possui de único. “Não há por que emular Gramado. Há muito o que se aprender de Gramado, mas também de Canela, Bento, Nova Petrópolis, Flores da Cunha e vários outros destinos gaúchos onde o turismo já possui expressão. A Serra Gaúcha é o nosso produto turístico mais maduro, no entanto, o Rio Grande do Sul, um estado extremamente diverso, ainda tem muito a revelar”, completa.

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