Mais recente filme do diretor russo Kirill Serebrennikov, A Esposa de Tchaikovsky (2002) radiografa o trágico relacionamento do célebre compositor erudito com Antonina Miliukova. O longa foi apresentado em competição no Festival de Cannes de 2022. O cineasta é presença assídua na Croisette desde que suas produções O Estudante (2016), Verão (2018) e A Febre de Petrov (2021) foram exibidos no festival francês.

A Esposa de Tchaikovsky é narrado sob a perspectiva de Antonina Miliukova (Alyona Mikhailova). Brilhante e bela, a jovem aristocrata poderia ter tudo o que quisesse – no entanto, sua única obsessão é se casar com Pyotr Tchaikovsky (Odin Lund Biron), o mais venerado compositor russo de sua época. A única razão pela qual o músico finalmente aceitará essa união é acabar com os rumores sobre sua sexualidade.

Sem sentir amor pela esposa e culpando-a por seus infortúnios e colapsos, Tchaikovsky tenta se livrar dela de formas cruéis. Apesar disso, Antonina decide suportar o desprezo e fazer o que for preciso para ficar com o marido que admira incondicionalmente.

Kirill Serebrennikov diz que há muito se interessa por Tchaikovsky – que o realizador define como um “objeto voador não identificado”, conhecido de todos, mas de quem na verdade ninguém sabe nada, “Há um livro de dois volumes que me impressionou muito: é o do professor Alexander Poznansky, da Universidade de Yale. Sou extremamente grato a ele, porque fez um trabalho colossal de restaurar toda a vida de Tchaikovsky dia após dia. Esse livro tornou as coisas mais claras, mais compreensíveis. Então eu voltei para o livro de Valeri Sokolov, Antonina Tchaikovsky: História de uma vida esquecida. Tudo isso aconteceu como parte de minha pesquisa sobre a vida desse gênio russo”, explica o diretor e roteirista.

Para encontrar a intérprete de Antonina, cujo impressionante desempenho carrega sua personagem de trágica abnegação, Serebrennikov analisou um enorme casting: “Vi passar todas as jovens atrizes russas, porque queria alguém muito jovem, mas de alto nível profissional. Fizemos esse filme no desenrolar da narrativa. É um dos raros projetos em que a atriz deve passar por tudo que a heroína passa”. 
 
“Então rodamos o filme cena após cena para trazer Alyona Mikhailova no estado em que sua personagem se encontra a cada vez. Existe uma versão mais longa desse filme que espero apresentar um dia, em que existam cenas que não estão presentes nessa versão. Aliona é uma estrela em ascensão do cinema russo. Ela não é atriz de teatro”, lembra o cineasta.

Também diretor de teatro e ópera, Serebrennikov comentou também a importância da dança e das artes cênicas em A Esposa de Tchaikovsky: “É todo esse período que é, de fato, bastante teatral: as pessoas saíam, vestiam as suas melhores roupas, usavam os trajes exigidos pela sociedade, representavam os papéis que a sociedade lhes impunha, vestiam as máscaras que ela esperava deles. Estamos realmente na representação com modelos de comportamento que são como papéis. É uma época que foi muito bonita. É a primeira vez que faço um filme cuja ação se passa no século 19”. 

O romantismo da música de Tchaikovsky reverbera visualmente no filme nos movimentos fluidos de câmera, na fotografia e na direção de arte. Mais do que seus méritos de produção, porém, A Esposa de Tchaikovsky destaca-se pela abordagem feminista do amor de perdição de uma mulher ao mesmo tempo fascinada e eclipsada pela sombra de um gigante.

A Esposa de Tchaikovsky: ****

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